quinta-feira, maio 31, 2001

Esse texto é muito bonito, tive que postar aqui... E o fato já aconteceu há algum tempo mas o assunto é sempre atual! Não dá pra parar de discutir!

Os Skinheads também Choram
Por João Silvério Trevisan

Na noite de 6 de fevereiro de 2000, um bando de skinheads espancou até a morte o jovem adestrador Edson Néris da Silva, por estar de mãos dadas com seu namorado, na Praça da República, em São Paulo. Um ano depois, dois líderes do bando de marginais foram julgados e condenados, cada qual a 21 anos de cadeia. Uma série de coincidências favoráveis em torno dessa tragédia permitiu que ela não fosse parar na vala comum dos inúmeros crimes de ódio envolvendo homossexuais e nunca investigados. Sobretudo quando se considera que a vítima não era nenhum rebento de famílias abastadas com influência e dinheiro para levar o caso aos tribunais.

A diretriz conceitual do julgamento, por parte tanto do promotor quanto do juiz, tornou essa condenação um fato inédito na história do Brasil: pela primeira vez assassinos foram condenados explicitamente por crime homofóbico. Em nossa lembrança ficarão impressas as palavras do juiz Luís Fernando de Barros Vidal, justificando a sentença condenatória: "Dois homossexuais têm o direito de andar de mãos dadas nas ruas, tanto quanto dois carecas, com suas cabeças raspadas, roupas e bijuterias exóticas".

Durante o julgamento, que durou treze horas, skinheads e seus parentes que tinham ousado ir ali ficaram provocando os homossexuais presentes na sala, mostrando-lhes sarcasticamente suas tatuagens, enquanto acariciavam a genitália. Depois de declarada a sentença, mudaram radicalmente sua atitude insolente. Havia até gente chorando de raiva e tristeza. A irmã de um dos condenados reclamava que eles poderiam ser mortos dentro da cadeia. Assim, ficamos sabendo que skinheads não têm medo de matar, mas têm medo de morrer. Então tá!

Para eles, deve ter sido uma grande descoberta saber que não se pode sair por aí assassinando quem destoa do seu estilo de vida. Além desses dois criminosos, encontram-se na prisão, à espera de julgamento, mais de uma dúzia de outros envolvidos no assassinato de Edson Néris. Espero que também conheçam a força da lei num país onde todos temos de respeitar os direitos de todos. Mas há um fator complicador. Conheço um bando de homossexuais que adorariam, conscientemente ou não, cair nas mãos de skinheads, porque curtem machões.

Depois desse crime, ficou claro que a brincadeira acabou: skinheads são nossos inimigos, contra os quais temos de lutar. No entanto, o fulcro do problema me parece estar no fato de que muitos homossexuais têm um skinhead instalado no fundo do coração. Adoram punir-se. Em outras palavras: introjetaram de tal modo a homofobia que se tornaram os mais ferozes inimigos de si mesmos. Existem homossexuais que, mesmo em famílias magnânimas, ainda preferem cultivar o enrustimento. E, por algum fator doentio de auto-rejeição, escondem como podem sua homossexualidade, passando para as próximas gerações o ônus de viver na clandestinidade.

O lado mais nojento da auto-repressão é cultivar o papel de vítima e não ter coragem de assumir sua própria vida. Ora, não precisamos de skinheads nos dando lições de violência para que descubramos que a opressão homofóbica existe e é perigosa. Mas graças a eles aprendemos que ser homossexual implica uma atitude política de luta. Gostemos ou não, ser homossexual não é apenas freqüentar academias e dark rooms. Ou viver casadinho com o príncipe encantado, num mundo cor-de-rosa.

Não adianta esconder a cabeça feito avestruz. Se alguém quer ser respeitado, respeite-se e lute para tanto. Numa sociedade homofóbica, o direito de ser homossexual não cairá do céu. Deve ser conquistado. De maneira concreta. A cada dia.

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