terça-feira, maio 08, 2001

O Nando falou sobre um texto do Pedro Alexandre Sanches na Folha e eu fui lá conferir. Realmente muito bom! O PAS é um dos poucos críticos que realmente entende de música e não fica enganando ninguém citando coisas que leu por aí ou que fica se vangloriando de ter "descoberto" algumas bandas... Vou até postar a resenha aqui:

Gil volta calado em meio à crise dos coronéis
DA REPORTAGEM LOCAL

É tarefa ingrata falar de um novo disco de Gilberto Gil no auge da crise do coronelato baiano e brasileiro. Muitas instâncias se entrelaçam, e não se pode evitar ou perder qualquer uma delas.
A primeira, e mais óbvia, é a da redundância obsessiva: vem mais disco ao vivo, mais versão do sucesso "Esperando na Janela", mais álbum de forró. Sublinha-se imediatamente a aura de decadência que anda assombrando nossos velhos caciques, sejam os da política ou os da música.
Aí há a instância do oportunismo: forró universitário é um dos fazedores de dinheiro da hora, e as gravadoras estão em grossa crise no Brasil, e disco não vende, e lá vai o bombeiro Gil salvar a cara da nação que escorre ladeira abaixo (e a sua própria, é claro).
Vire-se do avesso, agora. "São João Vivo!" é produto de altíssima excelência artística. Até salva a pele do forró, porque espezinha com Luiz Gonzaga de montão a bandalheira de forró de araque que anda nas paradas -o Gil que faz arte com "A" grande é sempre mil vezes maior que o amigão da Sandy e da patotinha.
Embora muito do disco que deu origem a este ("Gilberto Gil e as Canções de "Eu Tu Eles'", 2000) ribombe aqui sem grandes ganhos, "São João Vivo!" abunda em versões brilhantes (comoventes às vezes) para "Baião", "O Xote das Meninas", "Refazenda", "Cajuína" (de Caetano Veloso, brindada com nuances inéditas) e tem até uma bela inédita, "Na Casa Dela".
Haverá então a instância política, que os próprios artistas baianos atiçaram e mixaram à musical ao fazer feiúra com ACM lá na Terra do Sol Nascente.
Não dá para entender. Enquanto Gal Costa veste o traje roto de defensora da falta de ética (ah, a falta de ética sofre patrulha? Coitadinha...), Gil desistiu de dar entrevista no lançamento do disco. Tagarelas como ninguém mais na classe musical brasileira, ele e Caetano agora estão mudos, calados, tábuas.
Significaria não quererem magoar o amigo ACM? Tomara, mas não é o que Gil apontava na letra de "Lar Hospitalar" (2000). Ali era límpido: Gil reivindicava o direito a existência e viço da "banda podre" (algo muito parecido com o que disse a dona corregedora, ao defender que a corrupção é inerente ao ser humano). Se era uma manifestação de princípios, ficamos perplexos uma vez mais neste vendaval de perplexidades.
Bom, então, se malditamente Gil e Caetano se calam porque estão a favor do minúsculo decoro de painho, chega-se à mais dolorosa das instâncias: temos que engolir o sapo da ética claudicante dos nossos ídolos, esquecer as pessoas e abrir ouvidos apenas e tão-somente a sua grande arte. Não é tarefa fácil, principalmente quando a grande arte vem impregnada dos carrapatos da decadência (musical também) dos coronéis -e pode, será?, nos contagiar. Não, não é fácil, não. (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

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