domingo, abril 06, 2008

Ninguém Sabe O Duro Que Eu Dei

“Vivemos em uma imprensa que toma o indício como sintoma, o sintoma como fato, o fato como julgamento, o julgamento como condenação e a condenação como linchamento”, Artur da Távola

Assisti ontem no Cinesesc a "Simonal - Ninguém sabe o duro que dei", excelente documentário dirigido por Claudio Manoel (do Casseta & Planeta), Micael Langer e Calvito Leal.

Ao contrário de outros artistas que amo como Roberto Carlos, Ronnie Von e Tim Maia, que fui conhecer melhor depois de crescida, desde criança tenho um fascínio especial por Simonal, já que cresci ouvindo minha mãe cantar suas canções. Ela teve a sorte de assisti-lo ao vivo em Santos, quando a cidade ainda era palco de grandes shows. Ao lado ilustração que ela fez em 1970, auge da carreira do cantor.

Chorei o filme inteiro. A primeira parte pela beleza e emoção das imagens, como o show no Maracanãzinho, os programas de TV, o dueto com Sarah Vaughan, a maestria com a qual ele comandava a platéia. A segunda parte pela tremenda injustiça por qual ele passou e o triste papel da imprensa no caso. País curioso o nosso, em que todo artista que consegue algum êxito é automaticamente colocado em um balaio de párias. Saí do cinema com um nó na garganta que não desatou até agora.

A equipe do doc fez um impressionante trabalho de pesquisa, resgatando vídeos históricos de apresentações ao vivo, entrevistando o contador pivô da crise e artistas como Chico Anysio, um dos raros artistas que na época defendeu Simonal publicamente. Outro ponto a favor é não deixar ninguém sair da história totalmente como santo ou herói. Mostra que Simonal também pode ter errado, como todo ser humano. Ponto contra é não ter deixado a família contra argumentar depois da versão do contador. Mas deixa bem claro e sem dúvidas o que realmente interessa: Simonal foi um dos maiores artistas que esse País já teve.

Se você gosta de música tem a obrigação de assistir a esse documentário, que provavelmente estréia em circuito nacional em agosto. A música brasileira é tão boa e grande quanto a britânica ou a americana, só a gente não sabe disso.





Trailer do filme

Leia +:

. Famoso texto do Mário Prata: "Esquecemos de anistiar o Wilson Simonal"
. Texto de Chico Anysio após a morte do cantor
. Texto de Ricardo Alexandre
. Ziraldo e Jaguar recebem indenização de mais de R$ 1 milhão
. Ouça amanhã no podcast Qualquer Coisa um especial sobre o cantor

4 comentários:

  1. Não há qualquer verdade em tudo o que foi dito contra Wilson Simonal ao longo de quase quatro décadas, o suposto envolvimento com a repressão já está mais do que esclarecido. Simonal foi desmoralizado porque a mídia promoveu uma campanha sórdida contra ele e a classe artística tratou de engolir rapidinho todas as mentiras. O próprio Jaguar (um dos mentores da campanha promovida pelo Pasquim contra Simonal) já admitiu que "talvez tenha cometido um engano", mas que está muito velho para rever posições: "Foi um impulso meu, ele era tido como dedo-duro".

    O depoimento dos policiais não passou de mentiras para livrar a cara deles mesmos, que, envolvidos na questão do contador, precisavam justificar porque utilizaram as dependências do DOPS. O inspetor Mário Borges, em sua defesa, mentiu em juízo ao dizer que "interrogou" Rafael Viviane porque Simonal era um informante, e que, por isso, acreditou que o preso era um terrorista perigoso. Entretanto, o superior dele, o inspetor Vasconcelos, DESMENTIU o testemunho, mas, este depoimento, apesar de constar no processo (3450), ESTRANHAMENTE não ganhou as páginas dos jornais. Simonal cansou de repetir isso, mas, alguém lhe deu ouvidos?

    O próprio Boni admitiu, com todas as letras, que se Wilson Simonal fosse realmente um colaborador da ditadura, ele teria sido, naquela época, a ÚNICA atração que teria total aval para ir ao ar na Rede Globo. Elementar...

    Simonal incomodava muita gente porque se negava a dizer amém à sociedade racista da época. O preconceito racial era explícito, normal e corriqueiro, o estranho era alguém agir diferente. O Brasil sempre foi um país hipócrita, não nos iludamos, nada mudou, a diferença daqueles tempos para os dias atuais é que agora, além de ser crime, o racismo também é "politicamente incorreto", o que não o elimina, apenas camufla. Como disse Florestan Fernandes, "o brasileiro tem preconceito de não ter preconceito".

    Dá para imaginar o estardalhaço que fazia um negão boa pinta desfilando de nariz empinado, todo cheio de si, a bordo de carrões e derretendo o coração das "lourinhas de família" – era um sacrilégio, a sociedade não engolia. Muitos dizem que Simonal cavou a própria cova porque era arrogante e metido. E daí, qual é o problema, é crime? A meu ver ele não destoava em nada de tantos outros artistas a não ser por uma enorme diferença: cometeu o pecado de nascer negro. Se fosse branco, certamente não faria diferença. Estava mais do que certo, tinha de se armar contra os que não admitiam que um negro nascido numa favela chegasse lá. E, além do mais, ele podia ser empinado, metido, e o que mais quisesse, afinal, não é qualquer um que consegue ser O MAIOR CANTOR de um país tão grande. Ele incomodou sim, arrebatou multidões e alardeou seu talento aos quatro cantos… imperdoável.

    Não estou dizendo que Simonal era santo. Ele cometeu um gravíssimo erro ao envolver-se na questão com o contador, mas, foi processado, condenado e cumpriu a pena – pagou a dívida com a sociedade. Porém, as coisas não foram tão simples: ele deu a munição necessária para os que queriam vê-lo pelas costas: a mídia e a classe artística. Era tudo o que queriam, um motivo, um deslize, uma pisada em falso, pois não suportavam ver um negro num posto tão alto. Tornou-se um perigo tanto para a esquerda quanto para a direita porque dominava as massas - contra fatos não há argumentos.

    Não é difícil compreender toda esta história, basta o brasileiro ter real interesse em pesquisar e saber o que houve. Tudo poderia ter sido diferente, não fosse a mídia canalha que enaltece e destrói a bel-prazer, e, pior, emudece quando lhe convém. Quantos, quantos casos conhecemos? Já passou da hora de reconhecermos que Wilson Simonal é um patrimônio cultural nosso, devemos isso a nós mesmos.

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  2. Esse assunto - o lado político e policial - vai ser sempre complicado. Na Folha de S. Paulo já saiu artigo do (antigo) Ombudsman (remetendo a um texto dele de 2000 falando sobre o assunto), texto do Max de Castro, do jornalista que fez a resenha do livro etc.

    De tudo isso, um trecho do texto do Ombusman me chamou a atenção: "É incompreensão da natureza humana: a idéia de que todo artista de talento é marcado por gestos edificantes; ou se for um artista bacana, decerto será talentoso. A falácia temperou o esquecimento: se era dedo-duro, Simonal não merecia a posteridade. Ou, agora: se craque do suingue, não haveria de delatar."

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  3. Caro Charles
    O ex-ombudsman da Folha, Mário Magalhães, também recebeu mensagens de leitores indignados. Ele não apresentou dados novos como quis aparentar, apenas bate na mesma tecla há anos, sempre perseguiu o Simonal e, pelo visto, não será agora que se dará ao trabalho de analisar os fatos. Ao longo da vida aprendi que devemos nos dar o direito de mudar de idéia quando necessário e procuro avaliar com atenção as opiniões contrárias às minhas (claro, se bem argumentadas e fundamentadas) porque são as que realmente fazem pensar. Mas, nem todos agem assim.
    Abraços.

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  4. Meu que absurdo, eu estou chocada, não conhecia nada disso... A única coisa que me deixou feliz foi que trabalhei na produtora que fez o filme.

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